Google perde: Epic Games força Android a permitir lojas rivais

A batalha judicial entre Epic Games e Google está a transformar-se num dos maiores confrontos tecnológicos da última década — e, pela primeira vez, o resultado pode alterar de forma profunda o modo como usamos e pagamos por aplicações no Android.

Depois de anos de litígio, recursos e decisões divididas, o Supremo Tribunal dos Estados Unidos recusou o pedido da Google para suspender a decisão que obriga a empresa a mudar o funcionamento da Play Store. Em termos simples: o tribunal decidiu não salvar a Google desta vez, e o tempo está a esgotar-se.

Um novo golpe para a Google

Em agosto, a Epic Games já tinha conseguido uma vitória significativa nos tribunais federais, quando a juíza responsável pelo caso decidiu que a Google abusou da sua posição dominante ao obrigar os programadores de aplicações a utilizarem o sistema de pagamentos da Play Store e a pagar comissões até 30%.

A decisão foi clara: a Google tinha de abrir o Android a métodos de pagamento alternativos e permitir que os programadores informassem os utilizadores sobre outras formas de comprar conteúdos.

Mas a empresa reagiu rapidamente, apresentando um recurso ao Supremo Tribunal para tentar travar temporariamente a aplicação da sentença.
Essa tentativa falhou.

O Supremo Tribunal rejeitou o pedido de suspensão (stay request), o que significa que a injunção permanente continua em vigor e a Google tem agora pouco mais de duas semanas para cumprir integralmente a decisão judicial.

O que a Google é obrigada a fazer

Até 22 de outubro de 2025, a Google terá de aplicar mudanças estruturais na Play Store e no sistema Android, incluindo:

  1. Deixar de obrigar os programadores a usar o sistema Google Play Billing.

  2. Permitir que as apps informem os utilizadores sobre métodos de pagamento externos, dentro do próprio ambiente da Play Store.

  3. Autorizar hiperligações diretas para pagamentos fora da loja, sem taxas adicionais ou mensagens de alerta intimidatórias.

  4. Permitir que os programadores definam os seus próprios preços, sem interferência da Google.

  5. Proibir acordos de exclusividade com fabricantes, operadoras ou programadores que limitem o acesso a outras lojas de aplicações.

  6. Trabalhar com a Epic Games para criar um sistema técnico conjunto que permita a integração de lojas de apps rivais dentro do ecossistema Android.

Em suma, o que está em causa é o fim do monopólio da Play Store sobre o Android nos Estados Unidos — uma mudança que pode redefinir o mercado global de aplicações.

Tim Sweeney comemora: “O Android vai abrir-se — de verdade”

O CEO da Epic Games, Tim Sweeney, não perdeu tempo a reagir à decisão. Num comunicado publicado nas redes sociais, escreveu: “A partir de 22 de outubro, os programadores terão o direito legal de direcionar utilizadores da Google Play para pagamentos externos sem taxas, ecrãs de aviso ou barreiras artificiais — o mesmo que já acontece no iOS nos EUA.”

Sweeney vê nesta decisão um passo histórico rumo a um ecossistema mais justo, onde os criadores de software podem vender diretamente aos consumidores sem intermediários dominantes.

Recorde-se que a Epic já travou uma batalha semelhante com a Apple, acusando a empresa de Cupertino de práticas monopolistas na App Store. Embora nesse caso a vitória tenha sido parcial, o processo ajudou a abrir o debate global sobre as “taxas de loja” e o controlo das grandes tecnológicas.

A resposta oficial da Google

A Google, por sua vez, mantém a posição de que o Android já é uma plataforma aberta e que as novas medidas poderão colocar em risco a segurança dos utilizadores.

O porta-voz da empresa, Dan Jackson, enviou um comunicado à imprensa: “O Android oferece mais opções a utilizadores e programadores do que qualquer outro sistema operativo móvel. As alterações ordenadas pelo tribunal colocam em causa a segurança dos utilizadores e a integridade do ecossistema. Embora estejamos desapontados com a decisão, iremos cumprir as obrigações legais e continuar o processo de recurso.”

Em outras palavras, a Google vai obedecer — mas a contragosto.

A empresa planeia ainda apresentar um recurso formal ao Supremo Tribunal até 27 de outubro, embora essa data já seja posterior ao prazo fixado para cumprir a sentença.

Epic vs. Google: o resumo de uma guerra que dura há anos

Esta batalha remonta a 2020, quando a Epic Games — criadora de Fortnite — decidiu implementar o seu próprio sistema de pagamentos dentro do jogo, contornando as taxas da Google Play Store.

A reação da Google foi imediata: o Fortnite foi removido da Play Store, e a Epic processou a empresa por violação das leis antitrust norte-americanas.

Depois de um longo julgamento, um júri considerou que a Google tinha abusado da sua posição dominante e prejudicado a concorrência, forçando os programadores a aceitar as suas condições para aceder ao mercado Android.

Com a decisão agora confirmada e a recusa do Supremo em suspender a sentença, a Google encontra-se numa posição muito delicada.

Consequências: um Android mais aberto… e mais fragmentado?

Se a decisão for mantida e aplicada na íntegra, o Android nos Estados Unidos poderá mudar radicalmente.

Os programadores terão liberdade para oferecer pagamentos diretos, descontos exclusivos e downloads externos — sem depender das comissões da Play Store.

Mas esta abertura levanta novos desafios:

  • Segurança: a Google teme que apps fora do seu controlo possam expor utilizadores a malware ou fraudes.

  • Fragmentação: com múltiplas lojas e sistemas de pagamento, o Android pode tornar-se mais disperso e menos consistente.

  • Pressão regulatória: a decisão americana poderá inspirar autoridades europeias a impor regras semelhantes ao abrigo da Lei dos Mercados Digitais (DMA).

Em todo o caso, o impacto será global. O modelo de negócio da Google Play — que gerou mais de 48 mil milhões de dólares em receitas em 2024 — está sob ameaça.

A grande questão: e agora, o que vai mudar para o utilizador?

A curto prazo, é provável que as mudanças sejam limitadas aos Estados Unidos. No entanto, o precedente legal é poderoso.

Se a Google for obrigada a implementar sistemas alternativos de pagamento e a permitir links externos, os programadores poderão oferecer versões das suas apps com preços mais baixos ou promoções exclusivas — já que deixarão de pagar as comissões da Play Store.

Para o utilizador, isso poderá traduzir-se em aplicações mais baratas, subscrições com desconto e maior liberdade de escolha.

Por outro lado, há quem tema que a proliferação de lojas alternativas traga mais riscos e menos uniformidade — um preço que alguns estarão dispostos a pagar em troca de mais autonomia.

Um novo capítulo na regulação tecnológica

A recusa do Supremo Tribunal em travar a decisão é vista por analistas como um sinal de que os tribunais norte-americanos estão mais dispostos a enfrentar o poder das Big Tech.

Depois de anos em que Apple, Google, Amazon e Meta operaram praticamente sem restrições, decisões como esta mostram um endurecimento judicial e político contra práticas monopolistas e de controlo excessivo sobre os ecossistemas digitais.

Se a tendência continuar, poderemos assistir a uma transformação profunda do mercado de aplicações e conteúdos digitais — um cenário em que os programadores recuperam independência e os utilizadores ganham poder de escolha real.

O início do fim do monopólio das lojas digitais

Com o relógio a contar até 22 de outubro, a Google enfrenta uma corrida contra o tempo.

A empresa terá de provar que consegue equilibrar segurança e abertura, sem comprometer a confiança dos utilizadores nem a sustentabilidade do seu ecossistema.

Para a Epic Games, é uma vitória simbólica e estratégica — um passo em direção a um mercado mais livre e competitivo.

Mas, no fundo, esta disputa ultrapassa ambas as empresas: é o reflexo de um momento de viragem na história da tecnologia, em que o controlo total das plataformas começa finalmente a ser posto em causa.

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